A cabeça do santo- Socorro Acioli

“A primeira da família a saber o dia da própria morte foi a tataravó, Mafalda. (…) Assim aconteceu com todas as mulheres da família, e com Mariinha não foi diferente. Todas sabiam exatamente o número de dias que formavam essa coleção de horas que chamamos de vida. Sabiam desde cedo, guardavam segredo, mas anunciavam a tempo de fazer pedidos à família e tomar providências.”

Ao pensar nas entrelinhas deste livro, me lembrei deste trecho, que remete ao realismo mágico das obras A casa dos espíritos, da Isabel Allende, e Cem anos de solidão, do Gabriel García Marquéz. Este mundo sobrenatural que interfere na realidade da narrativa pode abrir em nós um espaço para adentrarmos em nossas próprias inquietações. O que faríamos se tivéssemos esta habilidade? Ou se soubéssemos com antecedência da morte de um ente querido? O quanto a frase da autora — “tinha muita coisa pra dizer e as palavras que não se dizem ao morto queimam na boca para sempre” — ressoa em cada um?

O livro A cabeça do santo nos traz indignação, tanto pela falta de recursos que é uma constante na vida do protagonista, Samuel, quanto por outras questões abordadas no texto, como a política da cidade, em que o prefeito explora os recursos em benefício próprio. Porém, também nos diverte, como as cenas em que Samuel descobre o dom de ouvir as preces das moças solteiras e que conferem ao enredo bastante criatividade e humor. Esta ideia e tantas outras, como a avó que pertence a dois mundos, envolve o leitor na história e o conduz a querer saber mais, a refletir sobre as relações humanas, a fé e a dinâmica de poder em comunidades pequenas.

A autora traz várias frases que me levaram à reflexão e eu escolhi a minha preferida: “Via-se de tudo, porque esperança e desejo obram o impossível.” Esta citação está no contexto das simpatias das moças no dia de Santo Antônio, e eu pensei nas tantas vezes em que só vemos o que gostaríamos de ver, e o quanto esta cegueira é um caminho também para o inusitado, ou seja, não acreditar no que é real e esperado à primeira vista talvez nos permita alcançar muito mais do que poderíamos imaginar.

E livros com este universo fantástico podem nos conectar aos encantamentos e milagres que estão próximos de nós.

Um beijo,

Magda Medeiros

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