A frase do escritor, um dos personagens que aparece mais para o final do livro, “Sou escritor, Um escritor é como outra pessoa qualquer, não pode saber tudo nem pode viver tudo, tem de perguntar e imaginar”, me deu um norte para comentar as minhas impressões sobre este livro denso e inquietante. Refleti o quanto de perguntas e observação José Saramago se valeu para escrever sobre a dureza e feiura do ser humano, porque é impossível ler o seu livro sem concordar que as misérias relatadas nesta ficção estão profundamente ligadas à nossa existência. “O senhor é escritor, tem, como disse há pouco, obrigação de conhecer as palavras, portanto sabe que os adjectivos não nos servem de nada, se uma pessoa mata a outra, por exemplo, seria melhor enunciá-lo assim, simplesmente, e confiar que o horror do acto, só por si, fosse tão chocante que nos dispensasse de dizer que foi horrível, Quer dizer que temos palavras a mais, Quero dizer que temos sentimentos a menos, Ou temo-los, mas deixámos de usar as palavras que os expressam, E portanto perdemo-los.”
O texto em português europeu, sem ser adaptado para o português do Brasil, bem como a descrição continuada, com o discurso direto se misturando com o indireto, sem travessão, com abundância de vírgulas, é estranha no início, porém nos conduz a uma imersão na narrativa, e talvez a um questionamento interno do quanto verdadeiramente nos permitimos ousar e criar, como fez o autor e que se tornou uma marca em suas obras.
O quanto o outro é parte de mim? O quanto a maldade está à espreita em nós próprios? A coragem de expor este espelho que reflete o medo como o propulsor da parte feia de nós mesmos é um grito que ainda reverbera em mim. “O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos”. Cabe ao leitor decidir se o livro é uma imaginação, sem correspondência na sociedade ou, mais difícil ainda, em si mesmo, OU se este mundo absurdo também é o seu, e esta percepção se tornar um caminho de escolha. Porque mais do que um registro de sobrevivência em situações extremas, a obra nos mergulha em dor, raiva, irritação, mas também na possibilidade de se humanizar novamente.
Acredito que as entrelinhas vão ficar reviradas algum tempo por aqui, pois há camadas e mais camadas a serem desveladas a partir das várias perguntas que surgem nesta leitura. Destaco este trecho: “Com o nervosismo da pressa, a rapariga dos óculos escuros tropeçou duas vezes, mas achou que o melhor era rir-se de si mesma, Imagina tu, uma escada que eu dantes era capaz de subir e descer de olhos fechados, as frases feitas são assim, não têm sensibilidade para as mil subtilezas do sentido, esta, por exemplo, ignora a diferença entre fechar os olhos e ser cego”.
E, para inspirar vocês, não para concluir o que nem de longe está finito em mim, escolhi a frase: “Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.”
Um abraço,
Magda Medeiros