Um teto todo seu- Virginia Woolf

É mais provável que a ficção contenha mais verdade do que os fatos?

Neste ensaio baseado em suas palestras sobre o tema “As mulheres e a ficção”, a autora se utiliza desse pressuposto para criar uma personagem, como seu alter ego, e conta a história dos dois dias que precederam as apresentações. “Meus lábios deixarão fluir muitas mentiras, mas haverá talvez alguma verdade no meio delas; cabe a vocês buscar essa verdade e decidir se vale a pena guardar alguma coisa”. Assim passeia por almoços e desafia os escritores da época que se dedicam às conversas na mesa e pouco falam a respeito dos pratos servidos, porque o paladar aguçado “acende gradualmente através da espinha dorsal — que é o assento da alma — não aquela pequena e concreta luz elétrica a que chamamos de brilhantismo, e que entra e sai pelos nossos lábios, mas um calor mais profundo, sutil e subterrâneo que é a chama rica e fulgurante da conversa racional”.

Ela segue compondo cenários, navegando em metáforas, salgueiros e rios, nos mostrando as entrelinhas da verdade e da ficção: “como eu já disse que era um dia de outubro, não vou me arriscar a perder o respeito de vocês nem comprometer o bom nome da ficção alterando a estação e descrevendo lilases pendendo de muros, açafrões, tulipas e outras flores da primavera. A ficção deve se ater aos fatos e, quanto mais verdadeiros esses fatos, melhor é a ficção”.

A escritora também usa a ficção para nos apresentar a irmã de Shakespeare, que também gosta de escrever e quer sucesso como o irmão, mas que acaba em maus lençóis numa encruzilhada porque não era o convencional e permitido. Traz a questão de ter um teto todo seu, uma renda própria, para restar tempo de qualidade para a escrita “se escaparmos um pouco da sala de estar comum para enxergar os seres humanos não só em relação uns com os outros, mas com a realidade”. E nos convida a deixar viver a irmã de Shakespeare que não criou nada, a dar oportunidade para esta imagem se expressar, pois ela virá se trabalharmos por ela e mesmo nas adversidades valerá a pena.

Sim, Virginia, vale a pena guardar a sua verdade mergulhada na ficção, vê-la “iluminar pequenas coisas e mostrar que talvez, no fim das contas, elas não fossem tão pequenas assim, trazer à luz coisas enterradas e nos fazer imaginar qual tinha sido a necessidade de enterrá-las”. Muito obrigada!

Beijos,

Magda Medeiros

Outras resenhas