Água fresca para as flores- Valérie Perrin

“Meus vizinhos não tremem na base. Eles não têm preocupações, não se apaixonam, não roem as unhas, não acreditam em coincidências (…). Eles estão mortos.”

Assim se inicia o livro que nos leva ao encontro de uma zeladora de cemitério, Violette Touissant. Um convite a adentrar neste cenário onde se passa o enredo e que vai nos desvelando a personagem central, seu caderno de anotações com registros detalhados de funerais, as datas de nascimento e óbito entre parênteses após alguns nomes citados por ela.

E seguimos sabendo mais, sua sequência de lares provisórios, sua escolha infeliz de marido e sua invisibilidade, “Afinal, aos olhos da mãe do Toussaint, eu sempre seria “a outra”, “a tal”, “aquela mulher”. Eu nunca teria nome.” Porém, o que chama a atenção é a doçura como é descrita esta personagem central, apesar de todos os caminhos pedregosos. Ela oferece ajuda para Célia sem esperar retorno e é convidada à lealdade e à amizade verdadeira, vê em Sasha o acolhimento humano e o cuidado com as flores e se permite aprender com ele. Encontra no seu cotidiano a leveza. E nos mostra o quanto o espaço interno preservado de cada um pode garantir a sanidade: “Depois que os portões são fechados, o tempo é meu. Sou a única dona dele. É um luxo ser dona do próprio tempo. Acho que é um dos maiores luxos que um ser humano pode dar a si mesmo.”

A obra tem 480 páginas narradas ao longo de 94 capítulos curtos, a escrita da autora é concisa, com poucos trechos longos e também profundos, a leitura flui muito bem. Um trecho que me impactou foi esse: “Amanhã vamos ter um enterro às quatro da tarde. Um novo residente para o meu cemitério. Um homem de cinquenta e cinco anos, que morreu por ter fumado demais. Enfim, isso foi o que os médicos disseram. Eles nunca dizem que um homem de cinquenta e cinco anos pode morrer por não ter sido amado, não ter sido ouvido, ter recebido contas demais, ter solicitado empréstimos demais, ter visto os filhos crescerem e irem embora, sem se despedir de verdade. Uma vida de críticas, uma vida de caras feias.” E este pedaço se conecta com a melhor frase do livro para mim: “Ninguém nunca nos diz que podemos morrer de tantas vezes que nos sentimos chegar ao nosso limite”.

Este belo livro é o de uma mulher que não traçou os próprios limites e aceitou coisas que não deveria, calou-se para não abandonar como um dia foi abandonada. Mais do que isso, é uma ode à possibilidade de renascer, mesmo em situações em que “Há algo mais forte que a morte, e isso é a presença dos ausentes na memória dos vivos.”

Há ainda a vida toda pela frente.

Beijos,

Magda Medeiros

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