“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”
(Anna Karenina, de Liev Tolstói)
A frase deste clássico da literatura russa me veio à mente quando comecei a ser envolvida pelos acontecimentos deste livro: a família Achike tinha tudo para ser feliz, tanto pela sua excelente condição financeira quanto pelo respeito público de Eugene, o pai, que é reverenciado por sua defesa da democracia. Entre seus negócios, ele é dono de um jornal, o Standard, a principal e aparentemente única forma de resistência na mídia contra os militares que tomaram o controle do país através de um golpe. Porém, é de uma família infeliz que estamos falando, de um universo de abuso e violência doméstica.
“Com frequência fazíamos perguntas cujas respostas já sabíamos. Talvez fizéssemos isso para não precisarmos formular as outras perguntas, aquelas cujas respostas não queríamos saber.” Assim eles lidavam com o outro lado de Eugene, o que ardia dentro das paredes da casa com o seu controle rígido de horários e o seu fervor religioso punitivo. As cenas de cobranças e castigos sofridos por Kambili, a filha que conta a história, por seu irmão Jaja e também as atrocidades imbuídas à sua mãe Beatrice, me levaram a lágrimas e à raiva muitas vezes.
Até que houve Nsukka. Como o primeiro capítulo avisa, “Nsukka começou tudo; o jardinzinho de tia Ifeoma perto da varanda de seu apartamento em Nsukka começou a romper o silêncio. A rebeldia de Jaja era como os hibiscos roxos experimentais de tia Ifeoma: rara, com o cheiro suave da liberdade.” Nsukka, onde mora a sua tia, tem os contrastes da pobreza, não é um lugar paradisíaco, contudo tem o amor e a liberdade, a leveza que é uma lente de aumento para o cerceamento da realidade onde vivem. Depois de entrarem em contato com uma família amorosa, perceberam o quanto a sua era disfuncional, o quanto gostariam de estarem imersos em outra realidade. Principalmente Jaja.
Aí se encontra o ponto alto da escrita de Chimamanda para mim, ao trazer o quanto de dualidade a personagem Kambili sente, o quanto o grande amor pelo pai se infiltra na própria capacidade de perceber o que é certo e errado. Ela está presa numa busca doentia pela perfeição e aprovação dos outros, dói vê-la constantemente se arrepender por não fazer algo que pudesse agradar seu pai. Sem querer enxergar o seu lado monstruoso. Mas tias Ifeomas e Nsukkas estão por aí para alcançá-la.
O trecho que mais gostei foi esse: “Quis ver os quintais das casas para poder me ocupar imaginando as vidas por trás das roupas nas cordas nas árvores frutíferas e nos balanços. Quis pensar em alguma coisa, qualquer coisa, para assim não precisar mais sentir. Quis piscar os olhos e me livrar do líquido que os umedecia.”
Beijos,
Magda Medeiros