O sol é para todos- Harper Lee

“— Seu pai tem razão. O rouxinol não faz nada além de cantar para o nosso deleite. Não destrói jardins, não faz ninho nos milharais, ele só canta. Por isso é um pecado matar um rouxinol.”

A fala da Srta. Maudie, uma das figuras que acompanha o cotidiano de Scout e sua família na fictícia Maycomb, nos anos 1930, é a referência para o título da obra publicada em 1960 como To Kill a Mockingbird. Matar um rouxinol (tradução literal) funciona como metáfora da inocência e da injustiça de ferir quem não faz mal a ninguém. Clássico da literatura americana e vencedor de importantes prêmios, o romance traz uma trama atemporal: um advogado branco que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca, tudo narrado pela perspectiva da filha do advogado, Atticus Finch.

A história se desenrola pelo olhar curioso e sensível de Scout, entre as aventuras da infância com o irmão Jem e o amigo Dill e suas primeiras inquietações sobre o mundo. Nas conversas com o pai, conhecemos um homem dedicado à justiça e corajoso o suficiente para enfrentar preconceitos arraigados, ainda que isso lhe custe caro: “coragem é fazer uma coisa mesmo estando derrotado antes de começar. E mesmo assim ir até o fim, apesar de tudo”. Calpúrnia, a mulher negra que cria as crianças, também tem frases dignas de grifo, “ninguém precisa mostrar tudo que sabe. Não é educado. Em segundo lugar, as pessoas não gostam de quem sabe mais do que eles. Incomoda. A gente não muda os outros falando direito, eles precisam querer aprender. E se não querem, o jeito é fica calada ou falar como eles”.

Harper Lee escreve com uma simplicidade só aparente: por trás da linguagem clara, há uma profundidade emocional que toca o leitor sem esforço. A infância de Scout funciona como lente crítica sobre o mundo adulto e seus paradoxos — como aprendemos (ou deixamos de aprender) a ser justos, a olhar o outro, a reconhecer nossos preconceitos. A beleza do livro está justamente na delicadeza com que aborda temas complexos como racismo e desigualdade, sempre a partir da sensibilidade de uma criança que está descobrindo o mundo.

Mais do que uma crítica social, O sol é para todos é um retrato da formação humana, da travessia da inocência para a consciência. Um lembrete poderoso de que o valor real está em tentar compreender o outro. Por isso, o trecho que mais me marcou foi este conselho de Atticus:

“— Em primeiro lugar, Scout — ele disse —, se aprender um truque simples, vai se relacionar melhor com todo tipo de gente. Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela.
— É?
— Precisa se colocar no lugar dela e dar umas voltas.”

Um livro de entrelinhas que alcançam o coração.

Beijos, Magda Medeiros

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