Ela não conseguia falar. Como aconteceu, não sabia. Foi aos poucos, sem perceber.
Um dia a voz saiu arranhada, no outro em extremos, aguda ou bem baixa. Foi aos poucos, sem perceber.
E todos se acostumaram a vê-la assim. Ela ficava lá no seu canto, calada, ouvindo a barulheira e com saudade do que nem se lembrava.
Então a gritaria na vizinhança o atraso do marido a briga dos filhos a comadre folgada o relógio girando o chinelo arrebentado a fofoca escutada o copo quebrado se juntou às tantas outras louças lascadas e descascadas
Para
no muro
do quintal
serem
lançadas
Uma caneca sem alça, uma raiva despejada
Um prato rachado (tão pequena a trinca que ninguém via!) atirado sem dó
Um pires arranhado, um berro de dor
Mais tarde, com uma xícara de chá na mão, se sentou na frente dos cacos. A observar. Calmamente. Cantarolando uma suave melodia. Quem sabe compusesse um mosaico colorido com os pequenos pedaços.
Poderia também esperar. Estava com a sua voz e isso era o suficiente.
Magda Medeiros