Eu havia visto a primeira versão em filme desta obra há bastante tempo e na época fiquei espantada com a habilidade da personagem central encontrar a alegria mesmo com tudo o que sofreu. O filme começava com Celie e sua irmã brincando felizes em meio às flores e a sua barriga pronunciada, de gravidez na adolescência, me impressionou.
Então, muitos anos depois, pego o livro nas mãos e novamente sou surpreendida. Não somente pela escrita em tom coloquial, com erros de conjugação e de grafia para reproduzir a realidade da protagonista, nem pelo formato epistolar, com o desenrolar da trama através de cartas, principalmente entre as duas irmãs, Celie e Nettie. Mas pela profundidade na abordagem sobre a fé, tanto nas cartas que Celie escreve para Deus quanto na relação dela com a amiga Shug. Aliás, nos diálogos entre as duas é que surgem as passagens mais belas, como “Você está me dizendo que Deus ama você e que você nunca faz nada por ele? Quero dizer, nunca vai na igreja, canta no coro, alimenta o pastor e tudo isso?” E a resposta de Shug: “Mas se Deus me ama, Celie, eu não tenho que fazer tudo isso. Só se eu quiser fazer. Há uma porção de outras coisas que eu posso fazer que espero que Deus goste. Eu posso ficar deitada só admirando o que eu estou vendo. Ser feliz. Me divertir”.
Outra parte que me tocou: “Escuta, Deus ama tudo que você ama, e uma porção de coisas que você não ama. Mas mais do que tudo o mais, Deus ama a admiração. Não por ser vaidoso, só quer repartir uma coisa boa. Eu acho que Deus deve ficar fora de si se você passa pela cor púrpura num campo qualquer e nem repara”.
Assisti também a segunda versão cinematográfica, um musical mais recente e, após esta imersão na história, ficou mais claro para mim a redenção que apareceu no final, algo que me deixou incomodada no primeiro filme. Lembrei de uma analogia que escutei da Monja Coen na Bienal Internacional do Livro em São Paulo: o rato não consegue dar marcha a ré, por exemplo, numa experiência em que ao final de um tubo não tem espaço para se virar, ele morre e não retorna de costas. Os seres humanos podem se arrepender e se transformar. Temos a possibilidade de voltar atrás e fazer diferente.
O trecho que escolhi como o que mais gostei foi quando a Celie fala de sua nova atividade: “eu fico sentada na sala costurando e costurando calça. Eu agora tenho calça de toda cor e tamanho que existe debaixo do sol. Desde que a gente começou a fazer calça lá em casa, eu não fui mais capaz de parar. Você sabe como é quando a gente não tem nada pra fazer, eu fico sentada aqui pensando no que fazer pra ganhar a vida e quando vejo eu já estou começando um novo par de calça.” Eu penso que é uma boa explicação para o estado de fluxo em que imergimos quando fazemos o que amamos.
Beijos,
Magda Medeiros