Para onde vão as histórias não contadas? Ficam à espera de alguém que as resgate e dê o lugar de protagonista. Muito obrigada, Martha batalha, por revelar esta invisibilidade.
A escrita de Martha Batalha tem um toque de humor e ironia e este livro constrói um rastro de leveza, apesar da dureza do que é relatado. Como o trecho “aquela gargalhada entrou por um ouvido de Eurídice. E nunca mais saiu pelo outro”, assim também assentaram em mim algumas percepções que permaneceram ecoando. Por exemplo, com relação à Guida, irmã da protagonista, os fatos que se sucedem nos mostram que, mesmo que você percorra o caminho da ousadia e expresse a sua voz, não há garantia de que será ouvida ou de que seus planos a levarão a um bom lugar. E o bonito é o que se descortina, o destino pode não ser o escolhido, como a casa de Filomena onde a moça acabou parando, porém, talvez ali você encontre a sua paz. E saber discernir onde se colhe a paz e a esperança traz um caminho de travessia para a mulher bela e destemida. Porque as facilidades podem levar à fraqueza de caráter, como o marido de Guida exemplificou tão bem, aliás os vários personagens do livro são muito ricos de detalhes e nos carregam em suas histórias e entrelinhas.
As irmãs são bem diferentes e também semelhantes, de uma certa forma, em percursos e expectativas. Eurídice se sentia invisível, pois desde o início do casamento foi este o seu papel, imposto pelo marido e época social. Fez movimentos, como a culinária e a costura, mas não conseguiu manter os filhos da sua criatividade, decidiu abandoná-los, e com isso abdicou de si mesma. E o vazio se instalou. Esta parte do livro adentrou em mim uma brecha: “talvez tenha sido a constância. Anos e anos sentando-se no mesmo lugar, encarando o vazio em forma de estante. Ou talvez tenha sido porque tinha que ser. O fato é que nessa nova temporada de olhares perdidos Eurídice começou a se sentir diferente.” Mergulhei nas frases e voltei com um alento, uma permissão, para as horas de não fazer nada, de ficar no sofá, olhando o vazio, o passarinho na janela, o vento, minutos a fio. Ainda existem estes momentos? Este é o convite resgatado, e para o qual chamo você: “olhar o nada e esperar a sensação chegar. A sensação chegava, e encontrava no silêncio o espaço para crescer”. O silêncio como o espaço para as ideias e o novo. Apesar de tudo.
Eurídice percebeu que a sensação de olhar o nada era isso: o dom de ver. Ela viu a estante de livros. A partir do instante em que viu, a máquina de escrever se se tornou possível para ela. O trecho que mais gostei foi esse: “ o que incomodava nessa nova fase de Eurídice era o olhar: ele agora parecia entrar por dentro das pessoas, como se fosse roubar segredos.” Acho que a vitória da autora neste livro foi enxergar as pessoas, como elas são, e mostrar as suas facetas. E esta é uma grande arte na escrita, desvelar a verdade.
Um beijo,
Magda Medeiros