O tempo entre costuras- María Dueñas

“Foi também um tempo de descobertas. Aprendi algumas frases em árabe, poucas, mas úteis. (…) E descobri, também, com o mais imenso desgosto, que a qualquer momento e sem causa aparente, tudo aquilo que julgamos estável pode se desajustar, desviar, entortar o rumo e começar a mudar.”

Este trecho traz, para mim, o fio que percorre toda a obra, as tantas reviravoltas que a protagonista, Sira Quiroga, enfrenta e que a conduzem a novos degraus de autoconhecimento. Suas aventuras me lembraram o conto sufi Fátima, a fiandeira. Fátima era uma jovem que vivia com o pai, um próspero fabricante de fios, e o acompanhava em uma viagem. Uma tempestade, porém, destrói o barco em que estavam, e ela acaba sendo levada pelas correntes a terras desconhecidas. Em cada lugar por onde passa, sofre novas perdas: é capturada por piratas, vendida como escrava, libertada e, mais tarde, perde tudo novamente em um naufrágio. Apesar de tanto infortúnio, cada uma dessas experiências lhe ensina algo — fiar, tecer, improvisar, consertar, recomeçar. A trama se entrelaça de forma que só se revela no final, quando tudo o que parecia obstáculo mostra-se aprendizado necessário. Também em Sira percebemos essa conjunção entre habilidades adquiridas e oportunidades, a costura que aprendeu com a mãe no ateliê de dona Manuela torna-se o fio que a leva ao próprio empreendimento em Marrocos e, mais tarde, ao aprimoramento de seu trabalho como espiã na Segunda Guerra Mundial.

Outro aspecto que me chamou a atenção foi a “parafamília” que Sira constrói ao longo de sua caminhada, como Candelária, Rosalinda Fox, Félix, cada um com sua singularidade, vindos de diferentes classes sociais e experiências. São eles que encorpam sua trajetória e acompanham suas decisões, nem sempre fáceis, como todas as que desafiam o juízo habitual de valor. Essa passagem ilustra bem essa tensão: “Sim, precisava que me confirmasse que minha negativa era razoável, ansiava ouvir de sua boca que aquele plano era uma verdadeira insensatez. Quis encontrar de novo a Dolores firme de minha infância: a prudente, a resoluta, a que sempre sabia o que estava certo ou errado. A que me criara indicando o caminho reto do qual um dia me desviara.” Mas a mãe também havia mudado diante das adversidades, e novas tonalidades se juntaram à sua rigidez de antes, abrindo espaço para a coragem de admitir curvas e desvios.

Por fim, o trecho que mais gostei foi esse: “A normalidade não estava nos dias que ficaram para trás: encontrava-se apenas naquilo que a sorte punha a nossa frente a cada manhã. Em Marrocos, na Espanha ou Portugal, à frente de um ateliê de costura ou a serviço da inteligência britânica, no lugar para onde eu quisesse me dirigir ou cravar os pilares da minha vida, lá estaria ela, minha normalidade. Nas sombras, sob as palmeiras de uma praça com cheiro de hortelã, no fulgor dos salões iluminados por lustres ou nas águas revoltosas da guerra. A normalidade não era nada além do que minha vontade, meu compromisso e minha palavra aceitassem que era e, por isso, sempre estaria comigo. Buscá-la em outro lugar ou querer recuperá-la do ontem não tinha o menor sentido.”

Mesmo entre perdas e incertezas, seguimos tecendo a própria vida, ponto a ponto. 

Beijos,

Magda Medeiros

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