O livro que alavancou Carla Madeira traz coragem ao iniciar com a descrição de Lucy, uma personagem desaforada que já avisa que não quer compaixão e vai muito bem obrigada com a sua escolha de profissão. A autora consegue manter a força ao longo do narrativa e nos conduz ao trio Venâncio, Dalva e Lucy, com belas escritas e muita reflexão. “O amor tem nome, mas não é nada que a gente possa reconhecer só de olhar. A dor a gente sabe o que é, tem lugar e intensidades que cabem na ciência. Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar?…O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.”
No amor de fazer inveja de Dalva e Venâncio, quero destacar a parte em que a família de Dalva se muda e os dois, recém-casados, “foram tomando tanto gosto em ficar juntos que se fecharam numa redoma, deixando amigos, família, toda espécie de convivência do lado de fora.” Já havíamos tido um episódio de alerta com relação ao ciúme do apaixonado Venâncio e neste desenrolar da história sentimos algo à espreita. Como diz Bell Hooks em Tudo sobre o amor, “há muito mais chances de relacionamentos românticos se tornarem codependentes quando cortamos todos os nossos laços com amigos para dar atenção exclusiva a essas relações que consideramos primárias”. Assim, depois de um tempo, é preciso esta abertura para a comunidade, deixando outras fortalezas ingressarem e ampliarem o círculo, mas aqui não acontece e a tragédia se instala.
Eu li duas vezes este romance, a primeira quando foi lançado e fiquei desgostosa com o final, como já escutei de muitas pessoas. Agora, ainda continuo estranhando os episódios finais, me perguntando: e se fosse diferente o resultado do que aconteceu naquele fatídico dia, haveria perdão? Ou “o perdão existe justamente para perdoar o imperdoável”?
Para além de lindas frases da escritora que valem demais a leitura e nos mergulham, o principal motivo, para mim, para considerar esta uma grande obra, são as entrelinhas sobre julgamento. As pedras continuam no nosso caminho e também estamos apedrejando quando julgamos inadmissível perdoar o que não perdoaríamos? Uma pergunta que talvez não tenha respostas, ou possua várias, verdadeiras para cada um. Por esta dúvida que levo comigo, escolhi este trecho como o mais bonito: “Aprendeu que a verdade não tem dono, que é duro demais existir e que ninguém precisa ajudar ninguém a sofrer. O sofrimento vem sozinho, tem pernas, mais cedo ou mais tarde ele aparece; o que a gente tem de buscar é a alegria, essa se esconde delicada na correria dos dias, não se oferece de pronto, quer ser encontrada, surpreendida, amada.”
Beijos,
Magda Medeiros