“O nosso verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar de inteligência sobre nós próprios.”
Marguerite Yourcenar
Lembrei desta frase que me marcou de forma profunda quando a descobri, e que algumas vezes ainda me leva a refletir. Quantos lugares de nascimento poderemos ter numa vida? Isabel Allende, com a sua personagem central, nos traz a longevidade como uma oportunidade de olhar para trás e avaliar o seu trajeto. Momentos em que Violeta “imaginava aquele futuro como uma planície sossegada em que nada de inusitado podia acontecer, nada de encruzilhadas, encontros ou aventuras, um caminho reto até a morte.” E quantas andanças tem uma existência, para a mesma Violeta pensar mais tarde “me senti sobrecarregada, como se puxasse uma carroça sobrecarregada de tudo aquilo e do peso do tempo malbaratado. Não imaginei que aquela noite seria o começo de minha segunda vida”.
A passagem em que ela relata a sua cegueira por anos a fio a respeito de um amado e que sem aviso prévio, numa noite como qualquer outra, a verdade a atinge, também me tocou. “Foi exatamente naquele momento, sentada à mesa, diante de uma travessa de pato com molho de cerejas e uma garrafa de cabernet sauvignon, que por fim se encaixaram os pedaços soltos do quebra-cabeça”. Já aconteceu de você perceber que a clareza e obviedade de certas situações chegaram assim, de supetão, porém com a concretude de algo que não haveria como negar? Sobre isso, gostaria de acrescentar a responsabilidade pelos seus atos e omissões, que a escritora aborda em várias situações vividas pela protagonista, e a tomada de consciência e mudança de rumo que advém daí, pois, depois de visto no interno, fica difícil continuar como era antes.
Este trecho do livro nos traz um pouco de como a narradora constrói a sua história: “a viagem da vida é feita de longos trechos tediosos, passo a passo, dia a dia, sem que aconteça nada de impactante, mas a memória é feita de acontecimentos inesperados que marcam o trajeto. São esses que vale a pena contar”. O cotidiano, o pouco contado, é o que mais nos acompanha, e também o que muitas vezes não prestamos atenção. Por isso, o trecho mais bonito para mim é a fala do doutor Levy, seu analista:
— Por que quer uma vida trágica, Violeta? Existe uma maldição chinesa que vem ao caso: “desejo-lhe uma vida interessante.” A bênção correspondente seria “desejo-lhe uma vida banal”. Por mais coisas comuns e banais na nossa vida, talvez devêssemos pedir.
Beijão,
Magda Medeiros